A água disponível em comunidades rurais do Distrito Federal tem qualidade adequada para irrigação e abastecimento domiciliar? Para responder a essa questão, pesquisadores da Embrapa Cerrados e da Universidade de Brasília (UnB) desenvolveram o projeto "Qualidade da água no DF: desenvolvimento e suas relações com o meio biótico e com a paisagem". Os estudos foram iniciados em 2023 e concluídos em agosto de 2025, trazendo à tona vulnerabilidades sanitárias, educacionais e a necessidade urgente de políticas públicas.
As coletas de amostras foram realizadas ao longo de um ano em 29 propriedades de oito núcleos rurais do DF que não recebem água tratada da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). Nessas localidades, a população depende de fontes alternativas, como poços, cisternas ou captação direta em rios. As coletas foram feitas nos núcleos rurais Taquara, Santos Dumont, Sítios Agrovale, Rajadinha, Tabatinga, Incra 8, Incra 7 e Chapadinha.
Com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), o projeto buscou desenvolver ferramentas que auxiliem agricultores e gestores na tomada de decisões mais seguras sobre o uso da água. Para isso, os pesquisadores desenvolveram o índice de qualidade da água para irrigação e o índice de qualidade da água para abastecimento em áreas rurais, investigaram a diversidade de organismos presentes nos sedimentos por meio de técnicas modernas de análise de DNA e elaboraram mapas que relacionam a qualidade da água às características da paisagem.
Além disso, os pesquisadores também estudaram a percepção dos moradores sobre a água utilizada no cotidiano, permitindo compreender como as comunidades enxergam e lidam com esse recurso essencial. A metodologia combinou diferentes abordagens qualitativas e quantitativas. "Utilizamos monitoramento ambiental, como análises laboratoriais e índices de qualidade, biotecnologia, geotecnologias, estatística multivariada e pesquisa social para oferecer uma visão integrada da qualidade da água no meio rural do DF", explicou o pesquisador da Embrapa Cerrados e líder do projeto, Eduardo Cyrino.
Os resultados evidenciaram que o Índice de Qualidade de Água para Irrigação (IQAI) se mostrou eficiente, oferecendo ao produtor uma avaliação prática da qualidade da água disponível em sua propriedade, além de recomendações para proteger plantas irrigadas e equipamentos. Já o Índice de Qualidade de Água para Abastecimento Rural (IQAAR) revelou restrições importantes: em alguns casos, a água precisa de tratamento simplificado; em outros, apenas processos de tratamento convencionais a tornariam própria para consumo.
Um dado curioso foi a análise da biota nos sedimentos, que não apresentou relação direta com a qualidade da água. Áreas mais contaminadas por matéria orgânica, por exemplo, exibiram maior diversidade de espécies, um resultado compatível com outros estudos. Já os fatores de paisagem, como a proximidade das cisternas de áreas agrícolas ou de fossas residenciais, tiveram impacto negativo, reduzindo a pontuação do IQAAR e consequentemente a qualidade da água.
Além dos aspectos ambientais, a pesquisa identificou fragilidades sociais. Mais de um terço das famílias não trata a água antes de consumi-la; a maioria nunca realizou análises laboratoriais; e, em muitos casos, a percepção dos moradores sobre a qualidade da água não condiz com a realidade. Apesar disso, houve grande interesse em aprender mais sobre o tema, embora a participação comunitária na gestão dos recursos hídricos ainda seja baixa.
Para Cyrino, a experiência comprova que índices de qualidade da água, inicialmente criados para o abastecimento das cidades, podem ser adaptados com sucesso ao contexto rural. "O monitoramento sistemático, aliado à educação e ao engajamento comunitário, pode ajudar produtores e comunidades a tomar decisões mais seguras sobre o uso da água, protegendo tanto a saúde humana quanto a produtividade agrícola", conclui o pesquisador.